terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Crónicas da revelação - Capítulo VIII

Acordaram com os primeiros raios solares. As árvores à sua volta pareciam formar um longo corredor. Diuhsa sugeriu que seguissem pelo corredor das árvores para tentar encontrar um abrigo onde pudessem passar algum tempo até a guerra acabar…se, alguma vez acabar.
O caminho sinuoso por entre as árvores levou-os a uma cabana, com um aspecto recentemente habitado. Diuhsa bateu à porta, como ninguém respondeu, empurrou a porta com cautela.
-Está aí alguém? – perguntou Edmees imitando a voz de uma criança pequena.
Mais uma vez, ninguém respondeu. Diuhsa entrou primeiro, a seguir Gaizer, e por último, Edmees.
O interior da casa estava bem equipado. Visto de fora, parecia apenas uma cabana, no entanto, por dentro, quase parecia um palácio para os tempos difíceis em que se encontravam.
- Uau! Acho que encontrámos um tesouro escondido perdido no meio desta guerra. – contentou-se Gaizer.
- Mas o tesouro se calhar já tem dono…- comentou Edmees. – É melhor esperarmos para ver se vem alguém ou se já foi abandonada.
- Pelo aspecto, há poucas hipóteses de a terem abandonado, ou não deixariam tantas coisas atrás. – disse Diuhsa.
- Se calhar tiveram de fugir à pressa…- Gaizer sugeriu.
- Nesse caso, é melhor nós também não ficarmos. Há a possibilidade de acontecer algo perigoso, e não é de riscos que estamos à procura. – assegurou Diuhsa.
Esperaram pelo dono da casa à sombra das árvores. Era um lugar agradável, calmo e fresco. Não foi preciso muito tempo para Gaizer adormecer. Também Edmees encostou a uma árvore para descansar. Perderam a noção do tempo. Quando Diuhsa os acordou, viram que falava com um elfo de porte imponente. Edmees levantou-se e inclinou a cabeça em sinal de cumprimento. Demorou apenas uma fracção de segundo até perceber quem estava à sua frente: o exilado Rei dos Deuses.
- Pai? – interrogou-se Edmees.
- Jennya? – exclamou Lordgok reparando na sua filha. – Porque estás aqui?
- Fugi.
- E a cidade de Aernet? – inquiriu Lordgok.
- Acho que a cidade está mais calma. Mas como os elfos pareciam não querer acalmar, resolvi entrar neste mundo para ver se os compreendo. Talvez assim os possa ajudar.
Lordgok sorriu. Jennya poderia ser uma boa futura rainha.
- Sempre foste muito madura. – Lordgok afagou a cabeça de Jennya.
Jennya virou-se para os seus companheiros e apresentou o seu pai. Gaizer sentiu-se contente por Edmees ter encontrado o seu pai, mas ao mesmo tempo estava ligeiramente ressentido pois certamente ela os iria abandonar.
- Então deixo-vos a conversar. - disse Diuhsa, puxando Gaizer para um lado.
Enquanto Diuhsa e Gaizer se afastavam, Lordgok puxou Jennya para o meio das árvores escondendo-se de olhares curiosos.
- Jennya, tenho algo muito importante à minha guarda e só a vou confiar a ti, porque és minha filha.
- Pai, pode confiar em mim. Guardarei com zelo.
- Então vem. Vou-te mostrar. - disse Lordgok guiando Jennya pelo meio das árvores.
As árvores pelas quais iam passando pareciam sussurrar e indicar-lhes o camnhio por onde deviam seguir. Não andaram muito tempo até chegarem a uma pequena clareira onde encontraram uma anta.
- Jennya, debaixo desta anta está o ceptro de Aernet que as Fadas atiraram para a terra do Povo Sagrado. Leva-o de volta para Aernet. Ele será muito preciso nos tempos vindouros.
- Sim, pai. Farei o que dizes, mas primeiro tenho de ajudar os elfos naquilo que mais precisam. Aqui. - esclareceu Jennya apontando para a cabeça.
Jennya retirou o ceptro da anta e examinou-o com cuidado.
- Não foi tocado. – constatou Jennya.
- Pois não. – concordou Lordgok. – Encontrei-o assim que cheguei. Decidi deixá-lo num lugar seguro. Ainda bem que te encontro. Assim, terei a certeza de que estará em boas mãos.
- Obrigada pela confiança, pai.
- Muito bem. Então, volta para o lado daqueles que queres ajudar. Aproximarmo-nos dos outros é o primeiro passo para conseguir entende-los e ajudá-los. Aprendeste bem a lição.
- É pena todos terem aprendido bem a lição, apesar de a terem esquecido tão depressa como a aprenderam.
Lordgok sorriu e afagou os cabelos de Jennya, mostrando-se impotente quanto à realidade. Jennya apressou-se a voltar para junto da sua nova família. Ao ver Jennya regressar, Gaizer mostrou-se claramente surpreendido.
- O teu pai, onde está?
- Vai ficar por aqui, acho eu.
Foi a vez de Diuhsa ficar surpreendida.
- Achas? Quer dizer que tu não sabes?
- Agora vocês são a minha família, não vos vou abandonar! - assegurou Jennya.
- Mas ele é teu pai. - disse Gaizer tentando ser razoável, mas a pular de alegria por dentro.
- Pois é. Mas isso pouco ou nada me diz. Tenho obrigações e deveres a cumprir. Não é todos os dias que se recebe um ceptro…
Mal acabou de falar, apercebeu-se do seu grande erro. Nunca deveria ter referido o ceptro de Aernet, ou todos iriam querer que se utilizasse o poder do ceptro para resolver até o mais pequeno dos problemas.
- Que ceptro? É isso que tens aí na mão? - Diuhsa mostrou-se curiosa.
- É. Mas, eu não vos quero mentir, por isso, é melhor nem perguntarem. Eu direi quando achar que é conveniente. Pode ser?
- Claro. Respeitamos a tua privacidade - disse Diuhsa num tom solene, com um ligeiro toque de ironia.
No dia seguinte, Edmees explicou que queria encontrar o salgueiro à volta do qual se reunia o conselho do Povo Sagrado. Gaizer e Diuhsa mostraram-se curiosos em saber a razão, mas Edmees nada revelou. Não demoraram muitos dias a encontrá-lo. No entanto, souberam pelos elfos locais que o conselho já aí não se reunia desde que a guerra começou.
- E agora? Como é que os vou encontrar? – suspirou Edmees.
- É assim tão urgente? – perguntou Diuhsa.
- Não muito, vendo bem, a guerra já dura há bastante tempo, mais dia menos dias talvez não faça assim tanta diferença.
Fizeram um pequeno acampamento perto do salgueiro. De dia, colhiam bagas e frutas para as refeições, ao anoitecer, inventavam histórias para se divertirem. A calma e a paz eram uma constante, uma constante estranha nos tempos em que viviam. Assim, completamente isolados do mundo exterior, no coração do território do Povo Sagrado, muitos dias passaram sem que vislumbrassem um único membro do conselho do Povo.
- Talvez não seja boa ideia simplesmente esperar que o conselho. – questionou-se Edmees.
- Não sabemos onde procurar, por isso, talvez seja preferível não procurar, podemos desencontramo-nos. Isso não seria pior?
- É verdade – reflectiu Edmees. – Mas esperar não é solução, até pode ser que tenham mudado de lugar para as reuniões do conselho. Apesar de não parecer aqui no interior da floresta, mas tenho quase a certeza de que a guerra ainda continua lá fora.
- Tens alguma proposta? – perguntou Gaizer.
Edmees pensou por instantes.
- Eu vou passear pelo território do Povo Sagrado e tentar procurá-los. Possivelmente vou mandar uma ave de vez em quando para me certificar que eles não estão em conselho e eu à sua procura.
- Não te lembras a razão inicial pela qual nós os três nos afastámos da confusão juntos? – Gaizer mostrou-se um pouco emocional.
- Claro que me lembro. Mas, como já disse, hei-de dizer aquilo que entender quando achar oportuno. Para já, posso apenas dizer que quero cumprir aquilo que me parece ser o meu dever.
O seu olhar transparecia firmeza e determinação. Vendo que nada a faria mudar de ideias, Diuhsa acabou por ceder. Quando Diuhsa e Gaizer dormiam, Edmees partiu esgueirando-se por entre as árvores.

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