sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Crónicas da Revelação - Capítulo VII

Gaizer continuava a orar todos os dias, pouco comendo ou descansando. Até que, um dia, ao anoitecer, estava ele a rezar com todas as forças que lhe restava, os galhos secos que ainda o protegiam de olhares hostis foram suavemente afastados por uma mão frágil e delicada. Gaizer abriu a boca para gritar, mas a única coisa que se ouviu foi um grito fraco e agudo.
- Não te assustes. – disse a mulher. – Não te vou fazer mal. Anda, vem comigo.
Já demasiado fraco para resistir, pegou na mão estendida e saiu dos arbustos.
Esperava ver um longo deserto estendendo-se para o infinito, mas, embora o solo fosse árido, pequenas plantas e arbustos verdes surgiam aqui e ali, e algumas árvores subiam em direcção ao céu azul. Mesmo assim, era ainda visível o fumo de tantas guerras que por ali passaram saíndo de destroços abandonados.
Um ou outro elfo, a maioria mulheres, caminhava por ali com um ar perdido ou procurando crianças deixadas para trás. A elfo que o encontrara caminhava agora para uma jovem e bela elfo, com aparência de 14 anos, de longos cabelos negros e uns olhos estranhos e penetrantes entre um verde-esmeralda e um azul-safira, e uma expressão simultaneamente nobre e preocupada.
- Pronto, agora está tudo bem. – disse a elfo que o fora buscar. – O meu nome é Diuhsa, e vou cuidar de vocês.
A outra elfo deu um passo em frente:
- Eu chamo-me Edmees. Prazer em conhecer-te, … como te chamas?
- E-eu sou G-Gaizer…- gaguejou o rapaz.
- Muito bem, agora já nos conhecemos melhor.
Os três caminharam até uma cabana com um tecto de palha. A casa não tinha mobília alguma. No chão havia apenas escassa mantas nas quais podiam enrolar-se para dormir. Comeram tumas taças de feijão em tigelas rachadas.
- A situação não é para brincadeiras. A vida está difícil. – Diuhsa desculpou-se pela pobreza da refeição.
- É muito melhor do que tenho passado nos últimos dias. - respondeu Gaizer com amabilidade.
Como estavam todos cansados deitaram-se no chão para descansar.
Horas mais tarde, Gaizer acordou, vendo que Edmees não estava, saiu para a procurar.
Edmees estava sentada, encostada à parede da frente da casa, de olhos fechados, como se estivesse a olhar para o céu, e a mexer a boca ligeiramente, parecendo que estava a dizer alguma coisa.
Gaizer aproximou-se dela e perguntou:
- Também não consegues dormir?
- Sim. – respondeu ela, simplesmente.
Ficaram os dois parados por um momento. Gaizer sentou-se ao pé dela devagarinho. Edmees abriu os olhos, fixando o céu estrelado, e começou a cantar alto, numa língua desconhecida. Ele olhou para os olhos dela: pareciam duas estrelas a brilhar intensamente no céu azul-escuro. A música começou a envolvê-lo, e as estrelas pareciam cada vez mais brilhantes, até que todo o céu era uma explosão de luz. Sem dar conta disso, Gaizer adormeceu.
Gaizer abriu os olhos, com uma sensação muito estranha. Levantou-se e reparou que estava todo ensopado. Olhou em volta: as paredes e o chão estavam todos molhados, e Diuhsa, juntamente com Edmees, tentava secar o que podia. Foi ter com elas.
- O que se passou?
- Houve uma tempestade durante a noite. – respondeu Diuhsa.
- Posso ajudar?
- Quanto mais, melhor.
Quando estava já tudo mais ou menos seco, saíram de casa. Como tinha parado de chover, fizeram uma fogueira para se secarem.
- Então, e o que querem comer? – perguntou Diuhsa, pouco tempo depois.
- Porque não vamos pescar no rio? – disse Edmees, sempre a sorrir.
- Óptima ideia!
Levantaram-se e foram para perto do rio. Gaizer olhou para a água e ficou surpreendido ao ver um enorme cardume de auna a passar muito rapidamente.
- Isto vai ser divertido… - murmurou.
De repente, ouviu um grande “splash” da direita, e ao virar-se viu Edmees muito divertida a segurar com as mãos um auna , que se debatia para se tentar libertar.
De seguida, ouviu-se outro “splash”: Diuhsa tinha ido buscar um balde e já apanhara mais um.
Gaizer suspirou e pensou: “Mas porque é que eu me estive a secar?” Debruçou-se no rio e imitou-as.
Apanhou um auna enorme, mas este logo lhe escorregou das mãos e caiu de chapa dentro de água, molhando completamente Gaizer. Edmees dava enormes gargalhadas por causa do sucedido. O elfo olhava estupefacto para a água, e de repente, ria-se juntamente com a amiga. Continuaram a pesca, entre sucessos e fracassos, e com um “mergulho” por parte de Edmees, que se debruçara demais sobre a margem e desequilibrou-se, caindo dentro do Zillian, ao voltar para terra, começou a rir tanto que ela e Gaizer deitaram-se na relva, sem conseguirem parar. Apenas Diuhsa se mantinha séria, embora por uma ou duas vezes um lampejo de sorriso passasse pelos lábios dela.
Em pouco tempo, já tinham o balde completamente cheio e alguns auna ainda se mexiam à volta. Gaizer, Diuhsa e Edmees atiraram-se para trás e suspiraram de alívio.
Depois, Edmees sentouse e disse:
- Tenho de começar a fazer isto mais vezes.
Os outros dois sentaram-se e olharam para ela.
- Fazer o quê? – perguntou Diuhsa.
Edmees apenas sorriu enigmaticamente.
Gaizer olhou para a amiga surpreendido, enquanto a sua nova mãe exclamou:
- Lá está ela novamente com os seus mistérios.
Edmees começou a cantar novamente uma música numa língua desconhecida. A sua voz era clara e cristalina, e, enquanto cantava, as águas do rio tornavam-se ainda mais límpidas e transparentes, e a corrente era cada vez mais rápida, como se quisesse também cantar com Edmees.

Passaram vários dias numa estranha calma, mas num mundo em guerra, mesmo a mais pequena felicidade durava pouco.
- O pôr do Sol está com uma cor estranha. – disse Gaizer.
Edmees e Diuhsa saíram da casa e olharam. O pôr do Sol era de um vermelho alaranjado, incrivelmente ofuscante que até parecia ferir os olhos.
- Amanhã irá chover. - disse Edmees calmamente.
Enquanto contemplavam o pôr do Sol, gritos chegaram aos ouvidos dos três. Apenas Edmees não virou a cabeça para ver o que se passava.
- Seria melhor se mudássemos de casa. – recomendou Diuhsa. – Não seria bom sermos envolvidos nas lutas, agora que conseguimos escapar.
- É verdade. – concordou Edmees.
Pegaram nas poucas coisas a que poderiam dar uso, seguiram à margem do rio até a luz do Sol desaparecer por completo. A noite estava fresca. Mesmo dormindo juntos, Gaizer acordou a tremer de frio. Levantou-se e tentou desesperadamente fazer uma fogueira raspando com os ramos um no outro. Os movimentos acordaram Edmees, que se apressou a impedi-lo de acender uma fogueira.
- Eles ainda devem estar perto. - sussurrou Edmees. – Não devíamos fazer nada que possa ser visto por eles, podemos envolvermo-nos nas lutas.
Entretanto, Diuhsa acordou também.
- Talvez seja melhor irmos para um lugar mais abrigado.
- Mas não se vê nada, nem estrelas há no céu. – suspirou Gaizer desalentado.
- Então vamos andando devagar, tacteando de vez em quando. – sugeriu Edmees. – Ao menos ficamos mais quentes do que se ficarmos parados.
Dito isto, levantou-se e liderou o grupo. Enquanto andava, ia murmurando coisas imperceptíveis. Parecia a Gaizer que Edmees dizia uma prece. Avançavam lentamente, mas o caminho por onde Edmees os conduzia pelas mãos, não tinha muitos sobressaltos. O caminho que percorreram ainda não era muito longo, quando as nuvens começaram a afastar-se deixando que a luz das estrelas chegassem até ele. Só então, Gaizer reparou que Edmees ainda não tinha parado de dizer a prece que acabou por descobrir não ser uma prece, pois Edmees cantava, como na noite anterior. Edmees pareceu reparar que Gaizer se tinha apercebido de que estava a cantar pois começara a cantar mais alto. Tal como na noite anterior, quanto mais alto Edmees cantava mais as estrelas brilhavam. Quando pararam, já conseguiam ver perfeitamente com a luz da lua e das estrelas.

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