sábado, 3 de outubro de 2009

Crónicas da Revelação - Capítulo VI

Passaram anos sem se avistar a paz. Em Aernet, a guerra continuava, e muitas, demasiadas almas tinham já voado para longe, deixando os corpos de deuses outrora pacíficos e gloriosos: a Deusa da Paz, o Deus do Fogo e a Deusa da Luz, bem como os descendentes do Rei, já tinham caído por terra, os corpos sem vida antes de sequer tocarem no chão.
Jennya tinha desaparecido sem deixar rasto, e muitos, incluindo a Deusa da Água, pensavam que ela tinha também perecido no campo de batalha.
Esta encontrava-se a falar com Liurath e a Deusa da Terra sobre as suas suspeitas.
- Se Jennya também morreu, então não há agora descendente algum para herdar o trono. – suspirou a Deusa da Terra.
- Esta guerra deixou de ter qualquer sentido. Apenas trouxe desgraça, não só a nós como aos elfos. Em vez de preocuparmo-nos com ninharias, devíamos era procurar uma solução para acabarmos com ambas as guerras! – revoltava-se a Deusa da Água.
- Tão nova, não merecia um destino tão cruel... – continuava a amiga. – E agora, quem sucederá a Lordgok? Quem governará Aernet?
Finalmente, Liurath falou:
- Acalma-te, Linen, sorri, Ehlea, e ouçam-me. Penso ter uma solução para ambos os problemas: eu tornar-me-ei o novo regente desta cidade, e assim a guerra acabará, pois não haverá qualquer razão para esta continuar...
- Então e os Elfos? Eles precisam da nossa ajuda agora, e depressa! – interrompeu a Deusa da Água.
- Como eu estava a dizer... – continua Liurath, lançando um olhar irritado a Linen. – A primeira medida que tomarei mal seja Rei será acabar com a maldade que assolou as terras élficas.
Desta vez, foi a Deusa da Terra que falou:
- Desde que tudo acabe em bem... Afinal de contas, a culpa de tudo isto é nossa e apenas nossa... se tivéssemos pensado antes de agir, nada disto teria acontecido.
- Apoiado! – exclamou a outra Deusa. – Atrevo-me a dizer que fomos egoístas, senão pior. Já que não nos esforçámos para resolver os nossos problemas, devemos compensar dando aos elfos a possibilidade de paz.
- E se acabássemos com isto? Há trabalho à espera! – disse Liurath, num tom de voz que mostrava a sua impaciência.
Sem mais delongas, saíram da Sala de Reuniões e foram avisar os outros.
Empenharam-se a sério nas suas obrigações, fazendo renascer a terra, acabando com a seca, dando uma nova esperança ao mundo fazendo-o viver novamente.
Em nada resultou. Os elfos continuaram a guerra, pouco ligando ao que acontecia à sua volta, excepto se vissem algo que lhes pudesse dar mais uma vantagem sobre o adversário.
Por esta altura, as técnicas utilizadas pelos elfos tinham já evoluído muito: construíram fortalezas e muralhas, e começaram a usar tácticas inovadoras, atraindo o inimigo para complexas armadilhas e matando sem mostrar compaixão. Cada vez que os elfos recebiam uma dádiva, a guerra entre eles aumentava. Milhões de cavalos e elfos caíam a cada instante, sem ninguém conseguir atingir os domínios adversários. Não havia confronto directo, mas mesmo assim a Morte alastrava-se pelos numerosos campos de batalha. Os soldados não conseguiam dormir, não havia comida nem água, e, quando não lutavam, era o silêncio que reinava.
Parecia que já não tinham sentimentos, já não tinham um destino. No lugar do coração, havia um buraco negro que sugava qualquer vestígio de felicidade ou amor. Eram instrumentos do Mal que faziam nada mais do que lutar. Já não conheciam compaixão ou mesmo dor, tinham esquecido a própria vida. As suas memórias estavam cobertos pelo véu do esquecimento, e já nada parecia ter um objectivo. Só sabiam lutar.
Ninguém escapava às garras do ódio: homens, mulheres e crianças eram contaminados pela raiva cega e pelo puro Mal. Já não sorriam, já não cantavam alegremente, mas também não choravam nem sofriam pela morte de todo o mundo élfico, outrora tão tranquilo e belo.
Todas as tentativas de paz pela parte dos Deuses falharam, e já não sabiam o que fazer mais para acabar com a sombra negra que se alastrava por todas as terras. Esperavam conseguir um milagre, mas começavam a acreditar que todos os seus esforços eram em vão. Davam-lhes tudo, mas tudo não era suficiente. As suspeitas transformavam-se em certezas, e contra a sua própria vontade, cada um começou a crer numa coisa apenas: era tarde demais, pois as trevas já tinham coberto todas as almas.
Pouco depois, tal pensamento já parecia uma realidade, e os Deuses, convictos dessa falsa verdade, simplesmente deixaram de se preocupar. Sentiam ainda a culpa e os remorsos, e continuavam a realizar as suas tarefas, mas já pouca esperança restava, as ideias e os planos começavam também a escassear, e o desinteresse por aquelas tentativas infrutíferas era notório.

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